A pandemia de Covid-19 e os desafios para o Ecoa Gestão
ENTREVISTA
Especialistas da Interação Urbana falam sobre os efeitos da crise nos municípios atendidos pelo programa Ecoa Gestão, da Alcoa (Poços de Caldas, São Luis e Juruti), e tratam das perspectivas para o retorno das redes municipais de ensino à normalidade
Como vem ocorrendo em todo o planeta, a pandemia desencadeou uma série de medidas emergenciais aos serviços públicos, assim como a certeza de que o “novo normal” trará enormes desafios aos gestores e também às empresas privadas que apoiam os municípios por meio de investimentos sociais. Nesta entrevista, Mauro Zanin, diretor da Interação Urbana, e os coordenadores Marcos Tamai (Planejamento Público) e Patrícia Cândido (Educação Pública) falam sobre os efeitos da crise nos municípios atendidos pelo programa Ecoa Gestão, da Alcoa (Poços de Caldas, São Luis e Juruti), e tratam das perspectivas para o retorno das redes municipais de ensino à normalidade, ou algo parecido a ela.
Como a pandemia afetou a realidade da educação nos três municípios alvos do Ecoa Gestão? Que desafios das secretarias de Educação se destacam frente ao contexto atual?
Antes de entrar na questão específica das cidades, é importante frisar que o setor educacional, por agrupar mais pessoas em um mesmo local (escola), de modo mais regular, contínuo e por mais tempo, possivelmente foi um dos setores da sociedade mais impactados pela necessidade do distanciamento social, a fim de evitar a contaminação ainda mais célere do COVID-19.
Dito isto, consideramos que existem dois aspectos a considerar em relação à pandemia de Covid-19 e seu impacto na gestão pública, em especial na área da educação. O primeiro aspecto diz respeito ao planejamento das redes municipais de ensino; o segundo, à qualidade do ensino propriamente dita, com seus efeitos sobre a dinâmica do trabalho escolar e do aprendizado dos alunos.
Do ponto de vista do planejamento, o primeiro desafio que tivemos de enfrentar foi estabelecer as ações emergenciais impostas pelo COVID-19. Até então as secretarias tinham elaborado os seus planejamentos com cenário tradicional. Com a pandemia, isolamento, distanciamento social e lockdown, o desafio foi replanejar a partir de novos desafios, como continuar a fornecer alimentação escolar de modo diferente, suspender serviços de transporte escolar, organizar o tele trabalho entre os servidores das secretarias, promover adequações no orçamento etc. Atualmente, com o retorno dos gestores ao trabalho presencial de forma escalonada, buscamos estruturar ações para o retorno às aulas e reprogramar as outras ações da secretaria.
Do ponto de vista educacional, as realidades e desafios diferem nos três municípios.
Em Poços de Caldas, a rede municipal de ensino interrompeu as aulas presenciais em março, forçando-se a organizar um plano de ação, assim estruturado:
- Tentar manter o vínculo dos alunos com a escola por meio de atividades on-line (iniciativa que revelou a desigualdade entre os alunos para o acesso às ferramentas de ensino remoto);
- Garantir a distribuição do material pedagógico impresso;
- Busca ativa dos alunos que nem entraram on-line e nem foram buscar material impresso (neste caso, percebeu-se que sem a mediação do professor o processo de construção do conhecimento fica bastante prejudicado);
- Apoio aos professores que, sem formação adequada no uso das tecnologias, tiveram que se reinventar para lidar com o ensino remoto (o que causou imenso estresse, ansiedade e frustração).
Em São Luis, como em muitas partes do país, a educação esteve fortemente correlacionada às possibilidades de acesso dos professores e alunos aos recursos digitais (computadores, dispositivos móveis e internet). As escolas da rede municipal, por atenderem a alunos que se encontram em um contexto de alta vulnerabilidade social, por contar com um quadro deficitário de profissionais e por terem uma significativa fragilidade de infraestrutura, sofreram muito negativamente com o advento da pandemia. Esse cenário foi agravado pelo fato de que muitas escolas estarem em um processo de compensação de aulas devido, em alguns casos, a reformas prediais e, em outros, greves. As primeiras iniciativas de interação entre professores e alunos e entre escolas e famílias permitiram diagnosticar a baixa possibilidade de conexão dos alunos ou de seus familiares.
Diante desse cenário, são muitos os desafios colocados para o futuro. Observa-se a necessidade de melhorar a infraestrutura das escolas; completar o quadro de servidores (docentes e não docentes); fazer a adequação curricular para a recuperação das atividades não desenvolvidas, promover a formação continuada de gestores e docentes, estimular a participação dos diversos colegiados das escolas (visando a melhor gestão dos recursos financeiros) e fazer a revisão curricular para priorizar a aprendizagem do aluno.
Vale ainda atentar para outros desafios de certa forma inéditos, como o enfrentamento aos efeitos emocionais da pandemia, a condição de aprendizado do aluno que regressa à escola, o necessário ingresso de novas tecnologias, com suas linguagens, metodologias e estratégias próprias; a necessidade de mais recursos para atender aos protocolos de higienização, programas sociais de ajuda às famílias desempregadas, doentes etc. No âmbito das escolas, certamente haverá necessidade de ajustes metodológicos.
Que ajustes precisaram ser feitos em relação ao desenho inicial do Ecoa Gestão?
Os objetivos e conceitos da elaboração do planejamento de gestão das secretarias foram mantidos, como a construção do planejamento em conjunto com toda a equipe gestora, de forma participativa e com o cumprimento das etapas prevista inicialmente. Os principais ajustes foram em termos da estrutura e organização das reuniões: anteriormente majoritariamente presencial, hoje se tornaram on-line. Houve necessidade de adaptação às ferramentas de videoconferências, compartilhamento de arquivos e acesso à internet.
Que atividades estão sendo desenvolvidas junto às secretarias de Educação de São Luís, Poços de Caldas e Juruti neste momento de retomada das ações pelo IA? E que outras estão previstas para o próximo período?
Na área de planejamento, os trabalhos estão em momentos diferentes nos municípios.
– Juruti: a programação inicial previa o início dos trabalhos para meados de março, porém com a pandemia as atividades foram retomadas somente em julho em novo formato com atividades, 100% on-line. Atualmente, estamos na fase final do diagnóstico da SEMED e iniciaremos em breve a elaboração do planejamento da SEMED e em seguida as etapas de monitoramento do planejamento.
– Poços de Caldas e São Luís: as fases de diagnóstico e planejamento das secretarias foram realizadas de forma presencial e em abril estava prevista a primeira atividade presencial de monitoramento do planejamento. Porém, essas atividades foram modificadas para o modo on-line, que foram realizadas entre abril e junho. Em setembro está programada a segunda rodada de monitoramento nos 2 municípios.
Em relação à Educação, os trabalhos estão assim organizados.
– Em Poços de Caldas, a Interação Urbana e o Ecoa gestão promovem a iniciativa Educadores-Gestores, formação continuada que busca refletir sobre as práticas pedagógicas e analisar os conflitos, as interações, as resistências e superações que surgem do chão da escola. O Laboratório de Informática se organizou para dar suporte à rede de ensino, tanto nos Encontros de Formação de Gestores quanto nas suas reuniões, o que também se ampliou para as reuniões pedagógicas entre gestores, professores e pais.
Diante da perspectiva de se manter o ensino remoto por mais algum tempo e mesmo no retorno, outras ações estão em curso, dentre elas: acolhida aos alunos, pais e professores já iniciada on-line e que será ampliada no retorno presencial; captação das narrativas do período de isolamento, que subsidiarão a avaliação diagnóstica de aprendizagem em outros tempos e espaços fora da sala de aula; e habilidades e competências (de alunos, professores e pais) mobilizadas durante a pandemia. As respostas a esse questionamento indicarão caminhos para planejar o reforço escolar ou ampliar os conteúdos, entre outras ações.
– Em São Luis, no âmbito da formação dos gestores, o Ecoa Gestão tem ajudado e poderá ajudar muito mais no futuro próximo, quando se espera que as adversidades sejam ainda severas. Em depoimentos espontâneos, gestores participantes do curso declararam, como benefícios, maior percepção de seu papel como planejadores; troca de experiências e criação de uma rede colaborativa e de aprendizagem; garantia de letramento digital dos participantes, não só pelas ferramentas como também pelas estratégias, entre outras conquistas. Todos esses resultados foram importantes no momento em que o total distanciamento social precisava ser mantido, mas será ainda mais importante no período de transição para a volta às aulas.
De que forma o retorno das aulas presenciais está sendo pensado junto às equipes das secretarias?
Em Juruti, o planejamento está na fase inicial e a construção do plano de ação para o retorno às aulas será o grande foco e prioridade. Em São Luís e Poços de Caldas, as ações de retomada das aulas serão incorporadas ao planejamento no momento de monitoramento, caso as áreas ainda não tenham incorporado ao planejamento.
No aspecto acadêmico, haverá a continuidade do Programa de Formação de Educadores-gestores propiciando suporte para a revisão/retomada do Projeto Político Pedagógico, Base Nacional Comum Curricular (BNCC) Avaliação e Registro.
De qualquer forma, o retorno será feito de acordo com os protocolos emitidos pelas respectivas Secretarias Estaduais de Educação, baseados nas orientações do Conselho Nacional de Educação e aprovados nos Conselhos Municipais: Subsídios para a Elaboração de Protocolos de Retorno às Aulas na Perspectiva das Redes Municipais de Educação Brasília/ DF, junho de 2020; Parecer 5/ 2020 do Conselho Nacional de Educação; Medida Provisória 934/ 2020; PARECER CNE/CP Nº: 11/2020.
Em síntese, consideram-se as seguintes diretrizes para o retorno:
- Definição das normas de segurança sanitária para os ambientes escolares.
- Diagnóstico da capacidade de atendimento da rede, condições para sua readequação e aquisição dos materiais necessários.
- Definição da progressividade do retorno e dimensionamento das alternativas de rodízio dos estudantes, face às condições da rede e possibilidades de sua readequação.
- Definição prévia da revisão curricular (a ser revisada a partir de avaliação diagnóstica dos estudantes ao retornarem) e das estratégias de ensino híbrido, visando o alcance dos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento e o cumprimento da carga horária mínima anual; aquisição/adequação dos meios necessários.
- Revisão do calendário escolar.